Poeta holandês Martijn Benders: as obras portuguesas

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A ética do trabalho na liga dos merceeiros

Posted on Maio 17, 2025 by admin

O ethos de trabalho da liga dos merceeiros

Alguém chamou meu post de “rage-bait” porque perguntei se I.A. tinha um papel no grande número de bandas que me foram apresentadas por meio da Popronde.

Mas não disse isso à toa: ouvi claramente aquele ruído cru da velha Suno em algumas delas, aquele que não se consegue eliminar nem com a melhor masterização, como neste número:

Você não ouve uma camada áspera sobre aquela voz? Como se tivesse sido saturada — isso é, ou a velha Suno, ou alguém que realmente não sabe nada de mixagem e masterização.

Pode ser qualquer um dos dois, e para mim tanto faz se alguém produziu uma melodia com um arpejador de sintetizador ou com I.A. — quem se importa com isso… o que me interessa é a música, e não o ethos laborioso da liga dos merceeiros.

Mas, conhecendo o macaco humano, este sempre escolhe o caminho mais fácil, como a água: portanto, o que logo veremos é uma avalanche de I.A. se fazendo de humana, enquanto uma liga de merceeiros acredita poder discriminar: quem fingir que toca tudo com a mão pode participar, e o resto não tem “direitos autorais”, embora estimular uma I.A. com comandos seja sim um esforço mental legítimo. Isso é discriminação? É claro que é.

Você poderia também decidir que tudo que for feito com uma drum machine não tem direitos autorais. E assim teremos milhares de faixas onde alguém finge estar tocando a drum machine ao vivo. Um monte de disparates, tudo isso porque o homo sapiens insiste em fazer com que tudo gire em torno de dinheiro e trabalho.

Não tenho a menor vontade de participar dessa farsa. Eu esculpo música com I.A. E sim, tenho plenos direitos autorais sobre isso: a ideia de que não se teria é simplesmente insana.

Ontem vi uma postagem sobre como Joris van Os, ao se apresentar como uma jovem mulher marroquina, conseguiu rapidamente um contrato com o círculo editorial de Amsterdã.

Isso sempre me irrita um pouco, porque há um certo ar de vítima não-reconhecida, quando na realidade se trata de merceeiros trapaceiros — o CB (escritório central do livro) está parcialmente nas mãos desses agentes, então para conseguir colocar seus livros à venda, quem decide fundar uma editora própria é forçado a enriquecer a concorrência, que passa a despejar lixo sem qualquer risco real. Pura vigarice, e por isso essa aura me incomoda tanto — a de gente que quer desesperadamente “fazer parte da turma”.

E não me espanta nem um pouco ouvir rumores de que esses editores falem sobre “exotismos” entre si — esse é exatamente o nível que você pode esperar encontrar por ali.

Quando Joris van Os se revelou — por quê mesmo? Foi libertação, confissão, marketing? — dizem que a editora subitamente não quis mais publicar suas obras. Ah sim, a editora: aquele eterno parque de diversões de fachada e oportunismo, onde as poses morais mudam mais rápido que as capas numa prateleira de liquidação. Mas o problema mais profundo não está nesse golpezinho editorial, nem nas mãozinhas medrosas dos editores agitadas no escuro. O problema estrutural está em outro lugar: leitores hoje compram livros como uma forma de voto identitário — não se compra mais o melhor livro, mas sim um símbolo, uma bandeira, uma posição social.

O complexo de underdog funciona bem nesse campo. “Compre para apoiar!” dizem os merceeiros da livraria, enquanto esfregam suas mãos brancas na expectativa dos lucros com seus adorados “exotismos”. Exotismos, sim — uma lógica borderline racista que também se aplica ao milésimo Kader Abdolah, que entrega certinho todos os clichês de imigrante que a elite dominante deseja. E o leitor? Este acredita estar praticando um tipo de referendo social ao comprar, quando na realidade apenas circula por um supermercado de produtos opinativos.

Enquanto os leitores não estiverem à procura do melhor livro possível — escrito por quem quer que seja, sem embalagem identitária, sem rótulos de opinião — mas preencherem suas estantes como quem monta um discurso de opiniões pessoais, o mundo literário estará irremediavelmente perdido. Porque se os livros deixam de ser avaliados por sua força literária e passam a ser julgados por seu valor moral de mercado, então não passam de vales de consumo num programa de fidelidade cultural.

Em termos lacanianos, pode-se dizer que Van Os invoca uma nova figura do Mestre: não mais a autoridade clássica (o editor, o crítico, o cânone), mas uma autoridade hipermoderna assentada no campo simbólico da vitimização. Ele se posiciona como o afetado, o excluído, o marginalizado pelo sistema — e é exatamente desse lugar que ele tenta extrair uma nova forma de autoridade: a da verdade ferida.

Mas Joris van Os não aponta o verdadeiro problema: que cada escritor hoje, independentemente de cor, gênero ou orientação, está sendo arrastado por um sistema de controle ilegítimo profundamente enraizado no mercado. O problema literário real não são as supostas “editoras inclusivas” que estariam excluindo escritores brancos — essa é uma narrativa ressentida, de direita, que encobre o verdadeiro problema.

O verdadeiro problema é que a literatura foi completamente subordinada à lógica da escassez comercial, dos perfis, das nichos, das previsões de vendas, das palavras-chave. Escritores já não são selecionados por escreverem o melhor texto, mas por serem “vendáveis” dentro de mercados morais ou identitários pré-definidos. Isso vale tanto para escritores brancos quanto para não-brancos, para queers quanto heteros, para mulheres quanto para homens.

E o que faz Van Os? Em vez de oferecer uma análise fundamentada, em vez de interrogar o sistema em seus alicerces, ele molda sua narrativa dentro do enquadramento direitista do “woke”: afirma que o problema são as editoras inclusivas — que escritores brancos não teriam mais chances porque as editoras “só pensam em diversidade”.

Essa é uma inversão perigosa. Por quê? Porque localiza o poder precisamente no lugar errado. Não na pressão do mercado, não na transformação da literatura em mercadoria, não na perda do mérito literário como critério — mas sim num inimigo fictício: o “editor woke”. Ao fazê-lo, abastece ressentimentos de direita e dá à literatura um falso adversário: como se a crise da literatura contemporânea se resumisse ao excesso de inclusão, quando na verdade ela é produto da submissão total às dinâmicas comerciais e sinais políticos — ao circo das buzzwords que transforma livros em produtos de opinião.

Do ponto de vista psicanalítico, isso é fascinante: Van Os projeta a ameaça real — a dominação do mercado — para longe de si, e cria no lugar uma imagem fantasmática facilmente heroizável: o “editor woke”. Ele se reinventa como rebelde contra esse espantalho, mas continua cego em relação ao poder das dinâmicas de mercado às quais ele mesmo está completamente submetido.

O resultado? Nenhuma crítica sistêmica de verdade, nenhuma interrogação radical sobre como hoje se vende, lê ou escreve literatura. Apenas uma peça teatral, uma resistência de mentirinha que se encaixa perfeitamente na lógica midiática de opiniões contra a qual ele supostamente se insurge. Afinal, sejamos francos: quem ganha espaço na mídia com esse tipo de discurso? Exato. Os mesmos circuitos contra os quais ele diz lutar.

Estimular conflitos étnicos insinuando constantemente que se é prejudicado — quando, na verdade, está-se promovendo uma marca pessoal — nos leva bem mais perto do verdadeiro rosto de Os van Weggejorist.

Como disse Bonnie ‘Prince’ Billy esta semana sobre Jim Carrey: “Tenho a sensação de que ele sempre está interpretando Jim Carrey.” Interessante, porque exatamente aí reside sua genialidade — ele É a máscara, encarna o papel e nos mostra que atrás da máscara nunca esteve um “verdadeiro” Jim Carrey. Isso à parte.

Com Joris van Os vemos o mesmo mecanismo, mas sem o brilho da ironia. Van Os, como pessoa, é uma encenação 100% ensaiada que se encaixa perfeitamente no enredo direitista vigente. Ele se apresenta como a vítima corajosa e marginal, como o escritor que ousa dizer o que os outros calam — mas faz isso inteiramente dentro dos trilhos aceitos e celebrados pela mídia conservadora.

E aqui precisamos ser claros: quem acredita que conflitos étnicos não são a razão para fazer literatura, precisa ter a coragem de dizer que críticas a autores como Kader Abdolah — frequentemente retratado como um clichê ambulante de imigrante — não têm nada a ver com cor de pele, mas tudo com valor literário. O problema não é a origem de Abdolah, assim como não é o gênero de Van Os. O problema é a aparência de autenticidade com que essas figuras se apresentam como vozes com peso extra, enquanto se movem perfeitamente dentro da lógica de mercado que comercializa precisamente tais autenticidades.

Van Os interpreta sempre Van Os. Mas sem autorreflexão, sem ironia, sem profundidade artística. Não é a máscara que revela a si mesma, mas o ator que acredita que seu papel ensaiado desmascara o sistema — quando, na verdade, ele aperfeiçoa seus códigos até os mínimos detalhes.

Atenciosamente,

Martinus Benders, 10-05-2025

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