Análise de Que posso dar pelos teus poderes sombrios e selvagens, Willem? de Martijn Benders
Introdução
A obra Que posso dar pelos teus poderes sombrios e selvagens, Willem? de Martijn Benders apresenta-se como um paradoxo literário: uma explosão de caos e controle, de lirismo e sarcasmo, do pessoal e do universal. Traduzido do holandês para o português, o livro mantém sua força crua, um tributo tanto à voz original de Benders quanto ao tradutor. Nesta análise, exploramos a profundidade temática, a inovação estilística e o lugar desta obra no cânone português e internacional.
Análise Temática
- Desestabilização e Resistência
A poesia de Benders é impregnada por um sentimento de desestabilização, tanto social quanto existencial. Poemas como Um vizinho de todos. Uma cidade em cinzas e Atentado refletem sobre o absurdo das sociedades modernas, onde o consumismo, a burocracia e o distanciamento digital sufocam o indivíduo. Seu trabalho ecoa poetas portugueses como Herberto Helder, que também desafiaram os limites da linguagem e da realidade, mas Benders acrescenta uma camada única de ironia e autodepreciação. - Amor e Destruição
Em poemas como Deixa-me e Exílio, Benders explora o amor como uma forma de resistência ao declínio. Suas imagens—por exemplo, “campos à espera” ou “margaridas domésticas”—combinam ternura e destruição, lembrando a tradição surrealista portuguesa (como Mário Cesariny), mas com um toque contemporâneo e quase niilista. - A Linguagem como Arma
Benders trata a linguagem como um meio volátil, por vezes hostil. Em Poesia, ele descreve a boca como um “órgão cínico”, alinhando-se às ideias de Fernando Pessoa sobre a falibilidade da linguagem. Sua desconstrução lúdica de clichês (como em Como assim, lilases?) lembra a poesia experimental de Alberto Pimenta, mas com um tom mais acessível, quase punk.
Inovação Estilística
- Estrutura Fragmentada
O livro rejeita a lógica linear, alinhando-se à tendência internacional da poesia pós-moderna (como Anne Carson). Poemas como Oi e Caixas usam repetição e absurdismo para desorientar o leitor, uma técnica também presente em vanguardistas portugueses como Ana Hatherly. - Humor e Tragédia
A mistura de humor grotesco (como em Porno) com angústia existencial (em Fome) é inovadora no contexto português, onde a poesia tende a ser mais séria. Seu estilo lembra o americano Charles Bukowski, mas com uma profundidade mais filosófica. - Intertextualidade
Referências a Debussy, Marx e à cultura pop (como em Incompreensível) criam um diálogo entre alta e baixa cultura, tornando a obra acessível sem perder profundidade. Esse ecletismo coloca Benders ao lado de poetas internacionais como Derek Walcott.
Posição no Cânone Português e Internacional
- Portugal: A obra conecta-se à tradição da poesia experimental e do surrealismo, mas sua combinação de ironia e emotividade é única. Ele pode ser lido como um herdeiro de Herberto Helder, mas com uma visão mais globalizada.
- Internacional: Seu estilo aproxima-se da post-language poetry, onde poetas como Christian Bök e Eileen Myles também desconstroem a linguagem para criar novos significados. Seus temas de alienação e resistência ressoam globalmente, especialmente em tempos de crise política e ecológica.
Avaliação Final
Que posso dar pelos teus poderes sombrios e selvagens, Willem? é um livro que desafia e emociona. Benders confronta o leitor com o caos da existência moderna sem cair no niilismo. Sua linguagem é uma arma, um consolo e uma piada—às vezes tudo ao mesmo tempo.
Pontos fortes:
- Voz original que equilibra tradição e inovação.
- Imagética poderosa e memorável.
- Temas universais com ressonância local (especialmente na tradução portuguesa).
Pontos fracos:
- Às vezes avassalador devido à estrutura fragmentada.
- Nem todos os poemas atingem a mesma intensidade (por exemplo, Oi parece mais um exercício do que uma obra concluída).
Conclusão: Este é um livro importante, tanto para a literatura portuguesa quanto para a poesia internacional. Benders prova que a poesia ainda pode chocar, estranhar e conectar—uma combinação rara. Avaliação: 4.5/5.
Recomendação: Leia esta obra junto a trabalhos de Herberto Helder (Portugal) e Anne Carson (internacional) para uma experiência comparativa rica.
Pesca Idee, London, 12-02-2025