Dois poemas: Duymaz e Süreya
Orar sobre mármore frio
No fundo de um samovar
feito de vidro trincado
ferve um amor, ninguém percebe.
Fatma soltou o cabelo nesta madrugada,
pela beira da janela aberta
não entra vento, mas reprovação.
Um bonde passa sob Galata —
à procura de uma palavra
que ficou esquecida em Ayvansaray.
Somos boias de salvação um do outro à mesa de rakı,
mas também naufragar nos foi confiado
enquanto juntamos olhares sobre a toalha de bebidas.
Ao longe, um cão ladra,
poderia chamar-se Muzaffer, mas ninguém o chama.
Sou como um caroço de romã
que sob a terra ainda espera pelo sol,
cada vez que me estalo,
nasce de mim um Moisés, ou talvez
um Sabri.
Às vezes, chamo de solidão —
como dois pés sem meias,
esquecidos de orar sobre mármore frio.
Mas quando fechas os olhos,
não crescem flores no cemitério,
apenas o silêncio se espalha.
E esta noite, minha mãe apareceu no sonho,
trazia lahmacun consigo —
ninguém morre
como deveria
nesta cidade.
— İsmail Kafi Duymaz
A balsa das 8h10
Sabes o que há na tua voz?
Um jardim, bem no centro.
Uma flor de inverno em seda azul,
e tu sobes,
apenas para fumar.
Sabes o que há na tua voz?
Um turco insone.
Não estás feliz com o teu trabalho,
não gostas desta cidade,
um homem dobra o jornal ao meio.
Sabes o que há na tua voz?
Beijos antigos.
O vidro fosco do banheiro,
ficaste fora uns dias,
e ouço canções escolares.
Sabes o que há na tua voz?
A bagunça de uma casa.
Sempre tua mão vai ao cabelo
para ajeitar tua solidão,
desfeita ao vento.
Sabes o que há na tua voz?
Palavras que não disseste.
Talvez meras trivialidades,
mas nesta hora do dia
são monumentos em pé.
Sabes o que há na tua voz?
Palavras que não pudeste dizer.
— Cemal Süreya